Operação expõe limite estadual no combate ao crime
A resistência feroz que a polícia fluminense encontrou na operação desta terça-feira contra o Comando Vermelho (CV) nos complexos do Alemão e da Penha, no Rio, é demonstração eloquente dos limites enfrentados pelos governos estaduais no combate às organizações criminosas. A ação reuniu 2,5 mil policiais e deixou ao menos 64 mortos, entre eles quatro policiais, 60 suspeitos, além de vários inocentes feridos. Diante da incursão, os criminosos ergueram barricadas, incendiaram veículos e fecharam vias essenciais paralisando a cidade. Usaram até drones com explosivos para intimidar a polícia.
O secretário de Segurança do Rio, Victor Santos, reconheceu que o governo do estado não tem condição de enfrentar o tráfico. “Não dá para enfrentar sozinho”, afirmou. “É preciso que, sem ideologia, estado, União e município se sentem à mesa.” O governador Cláudio Castro cobrou “um trabalho de integração muito maior com as forças federais”. Ele disse que pediu apoio de blindados do Exército por três vezes e que os pedidos foram negados. O governo federal afirmou que não houve pedido de ajuda para a operação atual.
A milhares de quilômetros dali, o panorama não é diferente. A cidade colombiana de Leticia, na tríplice fronteira de Brasil, Colômbia e Peru, virou reduto do CV, hegemônico na região, como mostrou reportagem do GLOBO. É lá que a facção negocia com fornecedores a compra de droga, produzida em fazendas vizinhas. Como no Rio, autoridades locais admitem que, isoladamente, não têm como combater o crime. “A gente precisa que haja ação mais incisiva das forças federais, e falo das Forças Armadas mesmo, no combate ao tráfico de drogas”, diz o secretário de Segurança do Amazonas, coronel Marcus Vinicius de Almeida.
A incapacidade dos estados para enfrentar as organizações criminosas já deveria estar clara. Primeiro, porque as maiores, como CV e PCC, atuam em vários estados e até no exterior, dificultando as investigações. Segundo, porque em geral estão mais bem armadas que as forças locais — no Amazonas, policiais abortaram a abordagem de uma lancha ao ver uma arma capaz de derrubar pequenas aeronaves. Terceiro, porque dominam extensões significativas do território, onde as forças de segurança têm dificuldade para entrar.
Não há outra saída a não ser combatê-las, ou elas continuarão a estender seus domínios pela economia formal e até pelas instituições da República. Mas operações letais como a do Rio expõem a vida de policiais e inocentes, com poucos resultados práticos. Daí a necessidade de atuação mais efetiva do governo federal e de maior integração entre as forças de segurança, priorizando o uso de inteligência e tecnologia para asfixiar o crime financeiramente e planejar o foco das ações da polícia.
Executivo e Legislativo têm obrigação de se debruçar sobre o tema urgentemente. Não dá para adiar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança, que prevê participação do governo federal e articulação entre as diversas forças, nem a legislação antifacção que o governo deve entregar ao Congresso. Eventuais divergências precisam ser superadas. Projetos aprovados recentemente são positivos, mas não resolverão o problema. O Brasil precisa de medidas capazes de tornar o Estado mais organizado que o crime. Ou governos federal e estaduais se unem para enfrentar as organizações criminosas, ou todos sairão derrotados.